Dias
desses tive que ficar um tempo atoa no centro de Curitiba até meu
próximo compromisso e decidi sentar em uma sombra do Passeio Público
e ler um livro, foi ai que me deparei com uma cena que me intrigou.
Uma gralha, que por algum motivo tinha fugido de seu viveiro, estava
parada na tranca do seu antigo cativeiro, “gralhando”
desesperadamente para entrar, e ter sua liberdade cerceada
novamente.
O animal
estava ali nesta situação, devido ao fato de provavelmente ter
nascido e crescido em cativeiro, e agora em vida adulta obviamente
não teria as ferramentas necessárias a sobrevivência em liberdade,
pois o ser o humano que o trancou, supriu suas necessidades básicas
de maneira a suprimir seus instintos, ficando assim como todos os
animais em cativeiro dependentes de seus algozes.
Isso me
fez refletir sobre nós seres humanos, e como a nossa sociedade
capitalista através de suas várias instituições exerce o papel
que o ser humano exerce sobre a gralha, castrando nossos instintos de
liberdade, cerceando nosso potencial de autonomia, ou seja criando a
sensação de que o ser humano necessita do sistema capitalista pra
viver e não ao contrario.
Uma das
instituições fundamentais neste processo de castração da
autonomia e liberdade é a escola, deste a educação infantil, somos
treinados e moldados a não sermos livres nem autônomos, o melhor
aluno, o mais elogiado, não é o de maior iniciativa e autonomia,
mas sim o mais disciplinado, o que obedece melhor, e assim os seres
humanos crescem, internalizando e naturalizando essa obediência e
aceitação de tudo como está dado.
Essa
disciplinização serve unicamente ao mercado capitalista, pois bons
proletários aos olhos dos patrões, são os servis e obedientes com
pouco poder de reflexão sobre a sociedade de uma maneira mais ampla,
assim aceitamos como normal toda exploração que é produzida e
reproduzida em nossa sociedade pois fomos encarcerados e treinados a
aceita-lá, acreditando que esta é a única maneira de suprir nossas
necessidades.
Assim
acreditamos que este sistema, assim como o ser humano em relação a
gralha, supri todas nossas necessidades, e que vivemos em perfeita
harmonia e gozo de todas as nossas potencialidades, porém, assim
como a gralha não sente ser cerceado os seus instintos de voar e de
poder ter a liberdade de transitar entre infinitas paisagens, nós na
maioria das vezes também não sentimos termos nossa liberdade, nossa
autonomia entre outras necessidades castradas, pois simplesmente não
as conhecemos plenamente. Do mesmo modo que a gralha só conhece as
necessidades e potencialidades que o ser humano a permitiu conhecer,
nós seres humanos só conhecemos as necessidades e potencialidades
com as quais conseguimos ter contato.
Não
sejamos mais uma gralha neste sistema, enjaulados em nossas rotinas,
presos em todas as certezas que nos são impostas, acreditando que o
mundo acaba no fim do nosso cativeiro, não sejamos portanto, reféns
do nosso grande algoz. Mas “gralhemos” sim, com a mesma força e
energia que chega a incomodar os ouvidos no canto de uma gralha,
“gralhemos” contra tudo e todos que tentam nos convencer de que
nossos limites estão pré-determinados, vamos incomodar os ouvidos
do sistema como o nosso “gralhar”.